Café

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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Construção

Construção

Vocês conhecem a letra da música "Construção" de Chico Buarque ? Trata-se de uma música da década de 70 (em plena vigência do Regime Militar) e diz respeito ao descaso diante da morte de um operário .

Eis a primeira estrofe da música :


"Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego (...) "

Hoje pela manhã fiquei presa num engarrafamento enorme e não conseguia compreender  o motivo. Desci do carro e caminhei alguns metros , para perto da multidão que se aglomerava na calçada e uma senhora me disse apavorada : "Vai vê não moça, tá muito feio!" . Perguntei o quê estava muito feio e ela me explicou.

Um operário havia caído do penúltimo andar de um prédio em construção. Era um pintor . Estava dando retoques na pintura e todos olhavam não mais para o seu corpo , mas para a "cadeirinha" em que ele estava sentado na hora em que caiu e na total ausência de quaisquer equipamentos de segurança.


Reparem no banquinho preto no penúltimo andar do prédio.
Era lá que o operário estava sentado !

Depois que o corpo foi recolhido, o trabalho do dia foi reiniciado como se nada tivesse acontecido.
Quando finalmente consegui sair do engarrafamento e vim para casa, minha cabeça fervia com trilhões de pensamentos ...

Não tenho o menor conhecimento de física, mas gostaria de saber em quantos segundos o corpo caiu no chão ... queria saber quais teriam sido os últimos pensamentos do operário.
Que filme passou em sua cabeça.
Porque na minha, confesso, passaram vários.

Num bairro nobre de Campos, num prédio em construção, morre um operário.
Os consumidores que adentravam as Lojas Americanas, ao lado do tal prédio, agiam como se nada tivesse acontecido... Os pedestres continuaram seu percurso como se nada tivesse acontecido ... a empresa continua a obra como se nada tivesse acontecido ...

Esse desdém ...
Esse pouco caso com a vida...com o outro ... me deixou triste.
Fiz estas fotos para o blog, queria compartilhar com vocês que instantaneamente me lembrei da música do Chico Buarque .
Muitas vezes, realmente, morre-se na contramão .
E a ausência de uma vida só atrapalha o tráfego...
Uma pena.
Pobre alma.




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